quinta-feira, 24 de julho de 2025

Quem quer expulsar os cristãos e porquê?

Sandro Magister escreve hoje sobre a questão de Gaza: "Quem quer expulsar os cristãos e porquê?" Um dos episódios que descreve é o dos sucessivos ataques por parte de colonos judeus aos cristãos na cidade de Taybeh (chamada Efraim no capítulo XI do evangelho de São João):

«No dia 7 de Julho, após dias de escalada de violência, alguns colonos incendiaram a antiga Igreja de São Jorge, do século V, e o cemitério próximo. O pároco latino da aldeia, [Bashar Fawadleh], relata: “Mais de vinte jovens correram comigo para o local e conseguiram apagar o fogo, enquanto os atacantes permaneciam a observar.

Eles também bloquearam as estradas com os seus carros, impedindo-nos de as usar, enquanto as principais vias de acesso a Taybeh permaneciam bloqueadas por postos de controlo militar”.»



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Contracepção: Ler a Humanae Vitae à luz da Casti Connubii

O Ocidente conheceu nas últimas décadas uma Revolução anti-familiar sem precedentes na História. Um dos pilares desse processo de desagregação da instituição familiar tem sido a separação dos dois fins primários do matrimónio, o procriativo e o unitivo.

O fim procriativo, separado da união conjugal, levou à fertilização in vitro e ao útero alugado. O fim unitivo, emancipado da procriação, levou à apoteose do amor livre, hetero e homossexual. Um dos resultados dessas aberrações é o recurso das parelhas de pessoas do mesmo sexo ao útero alugado para realizar uma grotesca caricatura da família natural.

A encíclica Humanae Vitae, de Paulo VI, cujo quinquagésimo aniversário será celebrado em 25 de Julho de 2018, teve o mérito de reafirmar a inseparabilidade dos dois significados do casamento e de condenar claramente a contracepção artificial, tornada possível nos anos 60 do século passado pela comercialização da pílula do Dr. Pinkus.

No entanto, até a Humanae Vitae tem culpa no cartório: a de não ter afirmado com igual clareza a hierarquia dos fins, ou seja, a primazia do fim procriativo sobre o unitivo. Dois princípios, ou valores, nunca podem estar num mesmo nível, em condição de igualdade. Um é sempre subordinado ao outro.

Isto acontece nas relações entre a fé e a razão, a graça e a natureza, a Igreja e o Estado, e assim por diante. Essas são realidades inseparáveis, mas distintas e ordenadas hierarquicamente. Se a ordem dessas relações não for definida, as tensões e os conflitos se seguirão, até a inversão da ordem dos princípios. Deste ponto de vista, uma das causas do processo de desintegração moral dentro da Igreja foi a falta de uma definição clara do fim primário do casamento pela encíclica de Paulo VI.

A doutrina da Igreja sobre o casamento foi afirmada como definitiva e obrigatória pelo Papa Pio XI na sua encíclica Casti Connubii, de 31 de Dezembro de 1930. Neste documento, o Papa recorda à Igreja e à Humanidade as verdades fundamentais sobre a natureza do casamento, estabelecido não pelos homens, mas pelo próprio Deus, e sobre as bênçãos e benefícios que advêm daí para a sociedade.

O primeiro objectivo é a procriação: que não significa apenas trazer filhos ao mundo, mas educá-los intelectual e moralmente, e, acima de tudo, espiritualmente, para conduzi-los ao seu destino eterno que é o Céu. O segundo objetivo é a assistência mútua entre os cônjuges, que não é apenas material, nem tampouco sexual ou sentimental, mas antes de tudo uma assistência e uma união espiritual.

A encíclica contém uma condenação clara e vigorosa do uso de meios contraceptivos, definidos como “uma acção torpe e intrinsecamente desonesta”. Portanto: “Qualquer uso do casamento em que pela maldade humana o acto seja destituído da sua virtude procriadora natural, vai contra a Lei de Deus e da natureza e aqueles que ousam cometer tais acções se tornam responsáveis de culpa grave.”

Pio XII confirmou em muitos discursos o ensinamento do seu antecessor. O esquema original sobre a família e o casamento do Concílio Vaticano II, aprovado por João XXIII em Julho de 1962, mas rejeitado no início dos trabalhos pelos Padres Conciliares, reafirmou essa doutrina, condenando explicitamente “teorias que invertem a ordem correcta dos valores, colocam o fim primordial do matrimónio no segundo plano em relação aos valores biológicos e pessoais dos cônjuges e que, na mesma ordem objectiva, indicam o amor conjugal como fim primário” (nº 14).

O fim procriativo, objectivo e enraizado na natureza cumpre-se espontaneamente. O objectivo unitivo, subjectivo e baseado na vontade dos cônjuges pode desaparecer. A primazia do fim procriativo salva o casamento, a primazia do fim unitivo o expõe a sérios riscos.

Além disso, não devemos esquecer que os fins do casamento não são dois, mas três, porque subsidiariamente existe também o remédio para a concupiscência. Ninguém fala deste terceiro fim, porque se perdeu o significado da noção de concupiscência, confundido muitas vezes com o pecado, à maneira luterana.

A concupiscência, presente em todos os homens, excepto na Santíssima Virgem, imune do pecado original, recorda-nos que a vida na Terra é uma luta incessante, porque, como diz São João, “no mundo não existe se não concupiscência da carne, concupiscência dos olhos e orgulho da vida” (1 Jo 2, 16).

A exaltação dos instintos sexuais, inoculados na cultura dominante pelo marxismo-freudismo, não é senão a glorificação da concupiscência e, consequentemente, do pecado original.

Essa inversão dos fins matrimoniais, que conduz inevitavelmente à explosão da concupiscência na sociedade, aflora na exortação do Papa Francisco Amoris Laetitia, de 8 de Abril de 2016, em cujo o número 36 se lê: “Com frequência apresentamos o casamento de modo tal que o fim unitivo, o convite a crescer no amor e o ideal de ajuda mútua permanecem à sombra de uma nota quase exclusiva sobre o dever de procriar.”

Estas palavras repetem quase literalmente aquelas pronunciadas pelo cardeal Leo-Joseph Suenens na aula conciliar, em 29 de Outubro de 1964, num discurso que escandalizou Paulo VI. “Pode ser – disse o cardeal arcebispo de Bruxelas – que tenhamos acentuado a palavra da Escritura: ‘Crescei e multiplicai’ a ponto de deixar a outra palavra divina nas sombras: ‘Os dois serão uma só carne’. (…) Caberá à Comissão dizer se não enfatizámos muito o primeiro objectivo, que é a procriação, em detrimento de um fim igualmente imperativo, que é o crescimento da unidade conjugal”.

O cardeal Suenens insinua que a finalidade principal do casamento não é crescer e multiplicar, mas que “os dois sejam uma só carne”. Passamos de uma definição teológica e filosófica para uma descrição psicológica do casamento, apresentada não como um vínculo enraizado na natureza e dedicado à propagação da humanidade, mas como uma comunhão íntima, voltada para o amor recíproco dos cônjuges.

O casamento é reduzido mais uma vez a uma comunhão de amor, enquanto o controle de natalidade – natural ou artificial – é visto como um bem que merece ser encorajado sob o nome de “paternidade responsável”, pois ajuda a fortalecer o bem primário da união conjugal. A consequência inevitável é que, no momento em que essa comunhão íntima vier a fracassar, o casamento pode se dissolver.

A inversão dos fins é acompanhada pela inversão dos papéis dentro da união conjugal. O bem-estar psicofísico da mulher substitui a sua missão de mãe. O nascimento de uma criança é visto como um elemento que pode perturbar a íntima comunhão de amor do casal. A criança pode ser considerada como um injusto agressor do equilíbrio familiar, da qual o casal se defende com a contracepção e, em casos extremos, com o aborto.

A interpretação que demos das palavras do cardeal Suenens não é forçada. Em coerência com aquele discurso, o cardeal primaz da Bélgica liderou em 1968 a revolta dos bispos e teólogos contra a Humanae Vitae. A Declaração do episcopado belga, de 30 de Agosto de 1968, contra a encíclica de Paulo VI, foi, com a do episcopado alemão, uma das primeiras elaboradas por uma Conferência Episcopal e serviu de modelo de protesto a outros episcopados.

Aos herdeiros dessa contestação, que se propõem reinterpretar a Humanae Vitae à luz da Amoris Laetitia, respondemos com firmeza que continuaremos a ler a encíclica de Paulo VI à luz da Casti Connubii e do Magistério perene da Igreja.

Roberto de Mattei in Corrispondenza Romana
(Tradução: Hélio Dias Viana – FratresInUnum.com)


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quarta-feira, 23 de julho de 2025

Oração pública, jejum e protesto contra expulsão da Fraternidade de São Pedro

Tensões surgiram devido à decisão do Bispo François Durand (51), de Valence, na região de Drôme, sudeste de França, de encerrar o apostolado da Fraternidade Sacerdotal de São Pedro (FSSP). Este apostolado foi fundado em Setembro de 1988.

Católicos em Valence e em Montélimar iniciaram um jejum rigoroso e vigília de oração junto à Igreja de Notre Dame, em Valence. Alguns dormem em tendas no parque de estacionamento.

Cerca de 400 paroquianos assinaram uma carta aberta em LeDauphine.com, apelando ao bispo para reconsiderar. As Missas e todo o apostolado, incluindo 13 grupos de catequese, deverão terminar em 1 de Setembro.

A diocese justificou a repressão alegando “reiterada desobediência às orientações diocesanas”. No entanto, o ponto principal de discórdia tem sido apenas a recusa da FSSP em concelebrar a Missa Crismal no Novus Ordo.

No dia 15 de Maio, o Bispo Durand anunciou que a celebração da Missa dominical no rito romano seria confiada ao clero diocesano. Todos os outros sacramentos serão suprimidos. Um sacerdote da Fraternidade Sacerdotal de São Pedro poderá continuar a celebrar missa uma vez por semana em Montélimar.

Numa segunda carta datada de 23 de Maio, o Bispo Durand criticou iniciativas pastorais da FSSP por carecerem de “orientações diocesanas”.

No FamilleChretienne.fr, o Vigário-Geral Padre Éric Lorinet usou como argumento o facto de a FSSP estar a agir “como uma paróquia dentro da paróquia”, causando atritos com o clero local.

in gloria.tv



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Santo Apolinário, Bispo e Mártir do primeiro século

Santo Apolinário nasceu em Antioquia, na Síria, no século I, numa família pagã. O seu trajecto cristão começou ao escutar a pregação de São Pedro, que então evangelizava aquela região. Profundamente tocado pelas palavras do Apóstolo, Apolinário decidiu seguir Pedro até Roma, onde recebeu o baptismo, tornando-se um dos seus mais próximos discípulos. São Pedro nomeou-o então como bispo e enviou-o para evangelizar a cidade de Ravena, em Itália, tornando-se o seu primeiro bispo e padroeiro. 

Evangelização e Primeiros Anos em Ravena
 
Em Ravena, Apolinário enfrentou feroz oposição dos pagãos. Não obstante, converteu diversas pessoas, incluindo famílias da elite local. Era conhecido como sacerdote astuto, eloquente e profundamente dedicado ao bem dos seus fiéis, o que rapidamente lhe granjeou fama de confessor exemplar.
 
Milagres e Pormenores Interessantes
 
Diversas tradições relatam numerosos milagres atribuídos a Santo Apolinário:
  • Curas Extraordinárias: Uma das mais emblemáticas histórias relata que curou a esposa e a filha de um tribuno romano. Num episódio, essa filha, dada como morta, foi ressuscitada por Apolinário após fervorosa oração, levando à conversão de toda a família e de numerosos presentes ao milagre.
  • Expulsão de Demónios e Libertação: Conta-se que Apolinário expelia espíritos malignos, inclusive de uma jovem nobre local, conquistando assim ainda mais fiéis para o cristianismo.
  • Milagres Públicos: Também se diz que restituiu a fala a um mudo e a visão a um cego, limpou leprosos e fez com que uma estátua de um ídolo pagão se desmoronasse, depois de a amaldiçoar diante dos pontífices pagãos.
  • Resistência ao Martírio: Durante as perseguições, Apolinário suportou torturas brutais: foi descalçado e forçado a andar sobre brasas, espancado várias vezes, teve água a ferver lançada sobre as feridas e foi perseguido múltiplas vezes, permanecendo sempre perseverante na fé.
  • Aconselhamento dos Pobres: Quando foi forçado a oferecer sacrifícios aos ídolos, Apolinário negou-se, sugerindo que o ouro e a prata dos templos fossem dados aos necessitados, provocando indignação entre os poderosos locais.
Martírio e Culto Posterior
 
A reacção aos seus milagres e à rápida difusão do cristianismo levou, enfim, ao seu martírio. Apolinário foi severamente espancado e, após vários dias de sofrimento em consequência das torturas, acabou por falecer. A sua morte ocorreu por volta do ano 79, durante o reinado do imperador Vespasiano. Em sua memória foi erguida a Basílica de Santo Apolinário em Classe, local do seu martírio, e mais tarde as suas relíquias foram preservadas em igrejas de Ravena, cimentando o seu culto como mártir e exemplo entre os cristãos.
 
Legado
 
A festa de Santo Apolinário celebra-se a 23 de Julho. É lembrado como pastor dedicado, mártir corajoso e santo de prodígios, sinais de profundidade da fé. A sua história continua a inspirar fiéis até aos nossos dias, tanto em Itália como noutras regiões da Europa, onde o seu culto foi difundido por mosteiros e tradições locais.
Os principais milagres associam-no à cura, à libertação, à ressurreição de mortos e à resistência invencível diante da perseguição, consolidando a sua reputação como exemplo de fé e santidade para toda a Igreja.



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terça-feira, 22 de julho de 2025

Perspectiva jus-histórica das migrações

Será acerca do problema das migrações no Ocidente que irei dar um brevíssimo panorama jus-histórico, tendo como objecto o pensamento jurídico. Para tanto é importante fixar a matriz cultural da Civilização Ocidental. A Filosofia grega, o Direito Romano e a Revelação Cristã são, iniludivelmente, o fundamento da cultura Ocidental. E será sobre este fundamento que irei tecer algumas considerações.

Nas Cidades-Estado gregas os estrangeiros não gozavam, assim como hoje, de determinados direitos do cidadão. Em Atenas existiam três categorias de estrangeiros, cujas situações jurídicas eram diferentes: Os isótelos, os metoikos, e os xénos. Os isótelos eram os pertencentes a unidades políticas com que Atenas celebrara acordos e por isso podiam exercer os poucos direitos neles previstos. Os metoikos eram aqueles que Atenas permitira que fixassem residência. Eram obrigados a pagar uma contribuição à cidade e defendê-la em caso de guerra. Não podiam contrair casamentos com cidadãos. O terceiro grupo é o dos xénos, aqueles estrangeiros de passagem, que não possuíam qualquer proteção legal. Decorrido determinado tempo de permanência na cidade, o xénos devia fazer-se reconhecer como metoiko, ou deixar Atenas.

Aristóteles era um meteco, aliás tratado assim algumas vezes, nas fontes, pelo seu mestre Platão. Na sua Política afirmou que há duas maneiras de possuir a cidadania, a absoluta – quando pode tomar parte em todos os negócios que tocam os cidadãos, como conselhos e tribunais – e de forma parcial, nomeadamente por viverem na Cidade, mas sem a capacidade de exercer funções de cidadania. Portanto, para o Estagirita, as distinções são inerentes ao problema dos estrangeiros.

Em Roma a ideia de cidadania também estava vinculada ao exercício de direitos políticos e civis. Distinguia-se o cidadão romano, pelo status civitatis. E o Direito Romano concedeu especial proteção aos estrangeiros. A latinidade foi a primeira forma de proteção, devido aos vínculos étnico-culturais entre Roma e os povos do Latio, vínculo fundado sobre questões territoriais e culturais. A comunhão cultural existente entre Roma e as demais cidades latinas permitiu a construção de uma comunhão também jurídica, na qual se reconhece aos latinos um conjunto de direitos que os diferenciam das pessoas oriundas de outras cidades, ou seja, que os diferenciam dos demais estrangeiros. E a língua latina cimentou esta proximidade, criando a unidade desejada.

Os latinos gozavam do ius conubii e do ius comercii, e poderiam tornar-se romanos fixando domicílio em Roma. Tal os distinguia dos peregrinos – estrangeiros com quem não havia necessariamente uma comunhão cultural, estes eram a maioria dos povos conquistados.

As primeiras formas de regular as relações entre Roma e outros povos, tinha carácter essencialmente jurídico-religioso e promanava do ius fetiale. Os sacerdotes feciais sempre por meio de rituais, tratavam da guerra (declaração, procedimento) e da paz (tratados – foedera). À guisa de exemplo refira-se os conceitos, no ius fetiale, de reparação pelas agressões sofridas e a inviolabilidade dos embaixadores.

A expansão do império romano fez com que houvesse a incorporação de diversos povos com diferentes costumes e tradições jurídicas. À medida que o império se expandia, para a sua coesão e desenvolvimento, fazia-se necessário conceder certos direitos aos povos vencidos. Ao passo que o Império Romano se alargava para além das fronteiras da Península Itálica, o antigo e tradicional ius civilis reservado, a priori, aos romanos, aos poucos se foi adaptando, de maneira a alcançar os outros povos incorporados ao império. E desenvolveu-se, assim, o ius gentium a partir do século II a.C., com normas extremamente plásticas – e menos ritualizado – cujos destinatários principais eram os peregrini.

Com o correr dos séculos o processo de romanização deu grande unidade aos povos que constituíram o Império Romano. A cidadania foi estendida e consolidou-se o Império. Mais uma vez o a língua latina foi elemento precioso para a integração dos povos.

Mas surgira dentro do Império um novo fenômeno, uma força nova dotada de potência, proveniente de uma província a Oriente. Trata-se da religião Cristã.

São Paulo representa esta nova força: homem de cultura grega, cidadania romana e doutor da Lei Antiga, converte-se ao Cristianismo. Na sua Carta aos Gálatas afirma: não há, pois, judeu, nem grego, escravo ou livre, varão ou fêmea, pois sois todos um em Jesus Cristo.

Na Idade Média ergueu-se a res publica Christiana na Europa, fundada na unidade da Fé e do Direito. A ideia de organização política diluiu-se numa nova concepção: a de Cristandade, ou seja, uma associação de homens unidos em torno da fé em Cristo e que se subordinavam a dois distintos poderes: o poder espiritual e o poder temporal.

A Universidade, instituição basilar, criada na Idade Média, reunia estudantes das mais diversas regiões da Cristandade, servindo-se de uma língua sagrada que era o meio para a busca da Verdade. O princípio da unidade na diversidade se apresentou limpidamente nesta corporação na qual os membros formavam uma grande família de almas, fruto dos grandes princípios que a enformavam. Muitos luzeiros dedicaram as suas vidas à Universidade, dentre os inúmeros doutores destaca-se em especial aquele que construiu uma verdadeira Catedral teológica. Na Divina Comédia este Doutor guia Dante ao Paraíso. No Canto X o poeta encontra 12 Doutores da sabedoria liderados pelo Doutor Angélico.

Santo Tomás de Aquino, no século XIII alcançou o ápice do pensamento cristão. E na sua obra tratou do problema das migrações. Afirmou que o povo pode ter dois tipos de relações com os estrangeiros: na paz ou na guerra. Desenvolve o seu pensamento na Suma Teológica I-II, q. 105, a. 3.

Distingue, assim, os imigrantes, considerando não serem todos iguais. Logo, as relações com os estrangeiros não são todas iguais: algumas são pacíficas outras são bélicas. Cada povo deverá decidir que tipo de imigração será considerada pacífica. Esta, evidentemente, será benéfica, servindo o Bem comum. Porém, com extremo realismo assevera existir uma imigração que será hostil e, desta forma, prejudicial. A rejeição de certos fluxos migratórios, na construção tomista seria a manifestação de Direito Natural à legítima defesa contra o que possa ser prejudicial ao Bem comum, ou seja, à Salus publica.

Referindo-se à imigração pacífica invoca duas passagens do Êxodo: “Não usarás de violência contra o estrangeiro residente nem o oprimirás” (22, 20); e “Não oprimirás um estrangeiro residente” (23, 9).

Está, pois, claramente reconhecida a possibilidade de os estrangeiros viverem pacificamente e o contributo benéfico que podem ter para o Bem comum. Devem ser tratados com caridade, respeito e cortesia – dever de todas as pessoas de boa vontade. A lei deverá proteger o estrangeiro de qualquer violência.

Citando Aristóteles, Santo Tomás afirma que os estrangeiros que queiram ser recebidos em plena comunidade de vida e culto, integrando-se com o povo que os acolheu, contudo, devem observar determinadas formalidades, e a sua admissão não deve ser imediata. E condicionava, assim a migração pacífica. Para aqueles que pretendiam instalar-se a condição seria: a vontade de integrar-se de forma perfeita na vida e na cultura daqueles que acolhiam.

Para além disso o acolhimento não devia ser imediato. A integração é um processo que demanda tempo. Os recém-chegados precisam se adaptar à nova cultura; e Santo Tomás cita novamente Aristóteles, que afirma que este processo pode levar de duas a três gerações.

E explica por quê: “O que se compreende, devido aos múltiplos inconvenientes ocasionados pela participação prematura dos estrangeiros na gestão dos assuntos públicos; com efeito, antes de se terem firmado no amor pelo povo, poderão empreender alguma coisa contra ele.”

Parece perfeitamente lógico o ensinamento tomista. A vida num país desconhecido é marcada por descobertas que são obrigatoriamente lentas. Os costumes e tradições precisam ser conhecidos, respeitados e até defendidos e, idealmente, amados por aqueles que chegam. Isto demanda Tempo – este grande mestre que régle bien les choses…

A ação do tempo se exerce de mil maneiras, todos os anos as estações se sucedem; nos séculos conduz ao desenvolvimento, grandeza e decadência das nações, ascensão e queda dos povos, e nas nossas vidas dá-se o mesmo. Devemos obedecer ao tempo como a natureza o faz…

Ao refletir brevemente sobre o problema das migrações, sob a perspectiva jus-histórica, surgirá primeiramente uma suspeita: a especulação sobre o Direito e a Justiça, alicerce da nossa Civilização, não terá oferecido uma solução sábia ao problema? Talvez daí surja a convicção de que o abandono, ou a negação, senão a apostasia civilizacional seja o verdadeiro e principal obstáculo a ser vencido para a edificação da Cidade.

Ibsen Noronha in atrevimentos.pt 


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Dia de Santa Maria Madalena, apóstola dos Apóstolos

Maria Madalena, Maria de Betânia e Maria pecadora, citadas no Evangelho, são a mesma pessoa, segundo o Papa São Gregório Magno, grande estudioso dos santos e criador do Calendário Gregoriano. Também os Padres latinos, desde Tertuliano, Santo Ambrósio, São Jerónimo, Santo Agostinho, até São Bernardo e São Tomás de Aquino, reconhecem nas três uma e a mesma pessoa: a Santa Maria Madalena penitente, que seguiu Nosso Senhor durante a Paixão.

Maria Madalena teria nascido em Betânia, cidade da Judeia, de pais muito ricos, tendo por irmãos Marta e Lázaro. Como parte da sua herança recebera o castelo de Magdala, de onde lhe veio o nome.

Uma lenda fala da sua esplêndida formosura, cabeleira famosa, do seu engenho, e relata ser ela casada com um doutor da Lei que a trancava em casa quando saía. Altiva e impetuosa, Maria teria fugido com um oficial das tropas do César e se estabelecido no castelo de Magdala, perto de Cafarnaum. As suas desordens e escândalos logo se espalharam pela região.

Enquanto isso, Nosso Senhor iniciara a sua peregrinação: a fama dos seus milagres e a santidade de vida estendia-se pelas terras da Palestina. Atormentada por demónios, e pelos remorsos da sua consciência culpada, Maria foi procurar Aquele que alguns apontavam como sendo o Messias prometido. O Senhor apiedou-se dela e livrou-a de sete demónios (Mc 16, 9), tocando-lhe também profundamente o coração.

A partir de então, começou para Madalena a completa conversão. Horrorizada ante os seus inúmeros pecados, cativada pela bondade e mansidão de Jesus, ela procurava uma ocasião em que pudesse mostrar-Lhe o seu reconhecimento e profundo arrependimento.

Essa ocasião surgiu na casa de Simão — um fariseu, provavelmente de Cafarnaum —, que havia convidado o Mestre para uma refeição. Durante um banquete ao qual Jesus participava, inesperadamente Madalena irrompeu na sala, foi diretamente até Jesus, rompeu um vaso de alabastro que levava apertado ao peito, e “começando a banhar-Lhe os pés com lágrimas, enxugava-os com os cabelos da sua cabeça, beijava-os e os ungia com o bálsamo” (Lc 7, 38).

Perdoada, convertida, Maria Madalena foi viver com os seus irmãos em Betânia. Uma vez, as duas irmãs receberam a visita do Messias. Maria sentou-se junto ao Salvador para absorver as suas palavras divinas, enquanto Marta se afanava nos afazeres domésticos para bem receber o seu divino Hóspede. E julgou que a sua irmã fazia mal, pois em vez de ajudá-la, estava ali sentada esquecida da vida. Disse Jesus: “Marta, Marta, afadigas-te e andas inquieta com muitas coisas. Entretanto uma só coisa é necessária. Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada” (Lc 10, 38-42).

Em outra visita do divino Mestre a Betânia, Maria Madalena, já não mais “a pecadora”, ungiu novamente os pés do Redentor com precioso perfume, o que levou Judas a reclamar do “desperdício”, pois podiam vender o perfume e “dar o dinheiro aos pobres”. Nosso Senhor interveio: “Deixai-a; ela reservou isso para o dia da minha sepultura; porque sempre tendes os pobres convosco, mas a mim não tendes sempre” (Jo 12, 1-8).

Chegou o momento da Paixão. Aos pés da cruz, Maria Madalena acompanhava Nossa Senhora e São João Evangelista. Depois do sepultamento, Maria também estava junto ao túmulo, de fora, chorando. Enquanto chorava, se inclinou para o interior do sepulcro e viu dois anjos vestidos de branco, sentados no lugar onde o corpo de Jesus havia sido colocado, um na cabeceira e outro aos pés.

Disseram então "Mulher por que choras?" Ela respondeu: "Levaram meu Senhor e não sei onde o colocaram". Dizendo isto se voltou e viu Jesus de pé. Mas não podia imaginar que era Jesus. E Jesus lhe disse: "Mulher por que choras? A quem procuras?" Pensando ser Ele o jardineiro ela respondeu: "Senhor se foste tu que O levaste me diga onde O puseste que eu irei busca-LO" Jesus responde: "Maria". Ela então reconhece-O e grita em hebraico "Raboni!" (que quer dizer Mestre!).

De acordo com uma antiga tradição do Oriente, Maria Madalena acompanhou São João Evangelista e a Virgem Maria a Éfeso onde morreu e foi sepultada.

No Ocidente, a tradição diz que ela viajou para Provença, França com Santa Marta e São Lázaro. A tradição conta que São Maximino, um dos 72 discípulos do Senhor, e São Sidónio (o cego de nascença de que fala o Evangelho, e que foi curado por Nosso Senhor) e mesmo José de Arimatéia estão entre os que os acompanharam na conversão da Gália.

São Maximino foi bispo de Aix, e São Lázaro encarregou-se da igreja de Marselha. Santa Marta reuniu em Tarascão uma comunidade de virgens, e Maria Madalena, depois de ter trabalhado na conversão dos marselheses, retirou-se para viver na solidão numa montanha entre Aix, Marselha e Toulon, “La Sainte Baume” (a Santa Montanha ou Santa Gruta), como dizem os habitantes do lugar. Lá permaneceu cerca de trinta anos, levando vida contemplativa e penitencial.

Ela foi milagrosamente transportada, pouco antes da sua morte, para junto de São Maximino, que lhe ministrou os últimos sacramentos. Segundo a tradição, o seu corpo foi levado para um povoado vizinho –– a Villa Lata, depois chamada São Maximino –– onde esse bispo havia construído uma capela.

No século VIII, por temor dos sarracenos, as suas relíquias foram trasladadas para um lugar seguro, tendo ficado esquecidas até que Carlos II, Rei da Sicília e Conde da Provença, as encontrou em 1272. São Vilibaldo diz que viu a sua tumba em Éfeso (hoje Turquia) no século VIII. A comuna francesa Vezelay diz ter as suas relíquias desde o século XI.

É a padroeira das cabeleireiras, estilistas de cabelos, podólogos, pecadoras penitentes, perfumistas, manicuras, fabricantes de perfumes e de óleos para o corpo.

Na arte litúrgica da Igreja é representada segurando um alabastro de óleo.

in heroinasdacristandade.blogspot.com


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segunda-feira, 21 de julho de 2025

Anjo de Portugal

No calendário antigo hoje é dia do Anjo da Guarda de Portugal. A nação portuguesa é a única que tem culto público ao seu Anjo da Guarda.
 
A devoção ao Anjo da Guarda existe praticamente desde o início de Portugal e espalhou-se de tal maneira que o Rei D. Manuel pediu ao Papa Leão X a possibilidade de culto público e assim foi, no início do séc. XVI. A festa ao Anjo Custódio de Portugal e suas Províncias Ultramarinas passou a celebrar-se no III Domingo de Julho e era de tal maneira importante que deveria igualar, em honras, a Solenidade do Corpo de Deus.

Algures no tempo, a festa foi fixada a 21 de Julho. Mais tarde, durante o Estado Novo (1952), passou para 10 de Junho. Ainda assim, algumas vilas em Portugal e no Brasil continuam a ter festas dedicadas ao Anjo Custódio por volta de dia 21 de Julho.

Desde o início que o Anjo da Guarda de Portugal é tido como sendo São Miguel Arcanjo, o Anjo do combate a Satanás e aos espíritos malignos.

São Miguel Custódio de Portugal, rogai por nós.


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sábado, 19 de julho de 2025

Secretaria de Estado protege rede homossexual no Vaticano

“Vinte anos de escândalos e o Vaticano — mais concretamente, a Secretaria de Estado do Vaticano — não aprendeu nada”, escreve Phil Lawler no CatholicCulture.org.

Lawler comenta o caso do Padre Carlo Capella. Este sacerdote foi preso na Cidade do Vaticano por posse e distribuição de pornografia infantil, mas regressou ao serviço diplomático da Santa Sé — primeiro sem um título oficial e, agora, com uma designação formal de alto nível. Um responsável classificou o escândalo como “um acto de misericórdia”.

Lawler questiona: “Misericórdia? Não é um acto de misericórdia para com os adolescentes que foram explorados por pervertidos para fornecer as imagens que faziam parte da vasta coleção do Pe. Capella. Não é um acto de misericórdia para com os católicos fiéis que, fazendo o possível para defender a honra da Igreja contra críticos cada vez mais cáusticos, se veem, mais uma vez, a defender o indefensável.”

Lawler recorda que o Pe. Capella não foi entregue às autoridades civis e que “o Vaticano” resistiu a um pedido americano de extradição. Capella foi autorizado a fugir, regressando a Roma, onde manifestamente esperava um tratamento mais favorável.

No julgamento canónico, foi-lhe retirado o estatuto de “Monsenhor” para regressar a “Rev. Padre”, mas continuou a exercer funções como sacerdote.

Lawler explica o motivo do tratamento leniente: “Pelo mesmo motivo que Marcial Maciel escapou ao escrutínio durante anos, pelo mesmo motivo que o Cardeal Law foi nomeado arcipreste de uma basílica romana, pelo mesmo motivo que Theodore McCarrick foi enviado ao estrangeiro como enviado do Vaticano, pelo mesmo motivo que o Rev. Capella está agora de volta ao trabalho: porque a Secretaria de Estado toma conta dos seus amigos.”

Ele avança ainda com uma explicação mais sombria: “Talvez aconteça que tantos funcionários do Vaticano estão moralmente comprometidos, há tantos anos, que ninguém está preparado para enfrentar o problema; todos se sentem vulneráveis e, por isso, determinados a abafar o escândalo. Talvez a má conduta sexual seja tão generalizada que — apesar das declarações públicas — os funcionários do Vaticano continuam a não levar o assunto a sério.”

Para Lawler, é absolutamente claro — e não apenas em casos de abuso clerical — que a Secretaria de Estado dita as suas próprias regras.

in gloria.tv


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S. Vicente de Paulo às religiosas: "Guardar silêncio quando somos injustiçados"

Vejo, minha filha, que considerais que, caso sejamos injustamente repreendidos por alguma falta, será preferível sofrermos a correção sem nada dizer do que justificarmo-nos. Sou inteiramente da vossa opinião, e parece-me que, a não ser que tal silêncio seja pecado, ou afecte os interesses do próximo, é preferível optar por ele: estamos a imitar Nosso Senhor. 

Quantas vezes O acusaram, denegriram a sua vida, criticaram a sua doutrina, vomitaram blasfémias execráveis contra a sua pessoa! E, contudo, ele nunca Se desculpou. Foi levado à presença de Pilatos e de Herodes, mas nada disse para Se desculpar, e acabou por Se deixar crucificar. Nada melhor do que seguir o exemplo que Ele nos deu.
 
Minhas queridas irmãs, dir-vos-ei a este propósito que nunca vi acontecer inconveniente a ninguém por não se ter desculpado - nunca. Não nos compete dar esclarecimentos; se nos imputam alguma coisa que não fizemos, não nos compete defender-nos. Deus quer, minhas filhas, que Lhe entreguemos o discernimento das coisas. 

Ele tratará de, em tempo oportuno, tornar a verdade conhecida. Se soubésseis o bem que faz abandonar nas suas mãos todos estes cuidados, minhas filhas, nunca teríeis a tentação de vos justificar. Deus quer aquilo que nos impõem, e permite-o, sem dúvida para pôr à prova a nossa fidelidade. 

Ele sabe como o recebemos, o fruto que daí retiramos e o mau uso fazemos da situação; e, se permite que continuem a acusar-nos, em breve saberá tornar conhecida a verdade! É máxima verdadeira e infalível, minhas filhas, que Deus justifica todos aqueles que não querem justificar-se.

São Vicente de Paulo in 'Conversas com as Filhas da Caridade' (18/01/1648)


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sexta-feira, 18 de julho de 2025

Cardeal exorcista reza oração de libertação pelo Mundo

Aos 96 anos, o Cardeal albanês Ernest Simoni, antigo prisioneiro dos campos comunistas, rezou em latim uma oração de libertação durante um congresso de exorcismo nos Estados Unidos. Um apelo comovente à fé e à oração para um mundo ameaçado pelas trevas.

Durante a «Worldwide Exorcism Conference», organizada em Newark pela John Leaps Evangelization, o Cardeal Ernest Simoni rezou uma oração de libertação em latim, «de cor», para «libertar as almas dos demónios, pelas pessoas com tumores e pelas jovens mães com dificuldades em conceber».

Embora não se tenha tratado de um exorcismo formal com todos os ritos canónicos, o fervor e a força espiritual da oração do Cardeal impressionaram os participantes. Com 96 anos, o Cardeal Simoni passou cerca de 20 anos num campo de trabalho sob o regime comunista albanês, depois de ter sido preso na noite de Natal de 1963. O seu crime? Ter celebrado Missa pelo repouso da alma do presidente americano John F. Kennedy.

«Os comunistas consideravam-me uma ameaça para o Partido e tentaram incansavelmente pôr-me a falar contra ele», contou. «Subornaram alguns dos meus amigos para que me levassem a criticar o governo, mas eu conhecia as suas artimanhas.» Acusado de conspiração contra o Estado, foi condenado à morte por fuzilamento. Após três meses de tortura e isolamento por ter recusado renegar a Igreja Católica, a sua pena foi comutada para 18 anos de trabalhos forçados. Apesar do sofrimento, Simoni continuou a celebrar Missa em latim, tendo memorizado toda a liturgia: «Um amigo fazia-me chegar pão e vinho às escondidas para que pudéssemos celebrar devidamente a missa», confidenciou em 2017.

Sofreu uma nova condenação à morte em 1973, após uma revolta no campo, mas a pena foi novamente comutada. Libertado em 1981, continuou a sofrer pressões do regime: «Tentaram convencer-me a casar, recrutando até os meus pais para tal. Diziam-me que, se abandonasse o sacerdócio, nunca mais iria preso.» A sua resposta ficou para a história: «Já estou casado com a Esposa mais bela que existe; estou casado com a Igreja.»

Após a queda do regime, em 1991, o padre Simoni retomou abertamente o seu ministério, sobretudo nas zonas rurais da Albânia. Celebra regularmente exorcismos, tal como fazia antes de 1963. Em 2018, na Universidade Regina Apostolorum de Roma, afirmou: «Pratico quatro a cinco exorcismos por dia.» O seu testemunho chegou até ao topo da Igreja: depois de o conhecer em 2014, o Papa Francisco elevou-o a Cardeal em 2016, chamando-lhe «mártir vivo». Demasiado idoso para participar no Conclave de 2025 que elegeu o Papa Leão XIV, Simoni permanece contudo activo. Recentemente, participou em peregrinações do Instituto Cristo Rei Sumo Sacerdote, celebrando a Missa Tradicional, que rezava quando estava em cativeiro.

Em 2017, deixou este alerta profético: «Vemos hoje a profecia de Fátima a realizar-se. Se os homens não se voltarem para Cristo, as trevas e o erro engolirão o mundo. Se confiarmos em Deus e nos voltarmos para Ele, nada temos a temer.»

in Tribune Chretienne


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quinta-feira, 17 de julho de 2025

Igreja na China: "O Vaticano Promove os Nossos Inimigos"

Houve uma nova vaga de detenções de clérigos e freiras católicas na província chinesa de Zhejiang, reporta o AsiaNews.it.

O objectivo é forçar o bispo clandestino Shao Zhumin, de Wenzhou, Província de Zhejiang, a juntar-se à seita controlada pelo governo. O bispo Shao já foi detido várias vezes, normalmente antes de festas importantes como o Natal ou a Páscoa. A sua detenção mais recente foi em Abril.

A Diocese de Wenzhou conta com cerca de 200 mil fiéis, 46 padres "oficiais" e mais de 20 padres católicos clandestinos.

Um padre anónimo disse: “Sabemos que o Estado interfere na Igreja, e não aceitamos isso. Mas não podemos fazer nada a esse respeito.” Os católicos ou aceitam a perseguição ou “a interferência do ateísmo, proibindo as crianças de frequentarem a igreja, impedindo os jovens de receberem catequese”.

O principal problema: “O Vaticano está em silêncio e promove oportunistas da Igreja do Estado, que ganham visibilidade e reconhecimento tanto nos círculos religiosos como políticos. Os fiéis vêem estes ‘sucessos’ e perguntam-nos: Ainda faz sentido resistir? No entanto, queremos seguir a nossa consciência.”

Desde a morte do Papa Francisco, as autoridades chinesas intensificaram os esforços para eliminar a Igreja Católica clandestina. Locais de culto e familiares de padres clandestinos também têm sido visados.

in gloria.tv


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terça-feira, 15 de julho de 2025

A igualdade defendida pela Revolução Francesa não é católica

I. A sociedade humana, tal qual Deus a estabeleceu, é formada de elementos desiguais, como desiguais são os membros do corpo humano; torná-los todos iguais é impossível; resultaria disso a destruição da própria sociedade humana.

II. A igualdade dos diversos membros da sociedade consiste somente no fato de todos os homens terem a sua origem em Deus Criador; foram resgatados por Jesus Cristo e devem, segundo a regra exacta dos seus méritos e deméritos, ser julgados por Deus e por Ele recompensados ou punidos.

III. Disto resulta que, segundo a ordem estabelecida por Deus, deve haver na sociedade príncipes e vassalos, patrões e proletários, ricos e pobres, sábios e ignorantes, nobres e plebeus, os quais, todos unidos por um laço comum de amor, se ajudam mutuamente para alcançarem o seu fim último no Céu e o seu bem-estar moral e material na terra (Encíclica Quod apostolici muneris).

São Pio X in Motu Proprio ''Fin dalla prima'' (18 de Dezembro de 1903)


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São Pio V proibiu que o Rito Romano fosse alterado

Há 455 anos, no dia 14 de Julho de 1570, o Papa Pio V promulgou a bula 'Quo Primum Tempore'. Este documento estabelecia que o Rito Romano se deveria rezar pelo Missal Romano que tinha sido promulgado pelo Papa. 

Este Missal não foi fabricado ex nihilo por um grupo de teólogos e liturgistas, mas bem o resultado de séculos e séculos de uma evolução orgânica: que se traduziu num enriquecimento nos gestos e palavras de modo a dar maior glória a Deus e também numa cada vez melhor catequese, capaz de transmitir as verdades da Fé Católica aos fiéis. 

O Papa Pio V proibiu que este Missal fosse alterado, sob pena de excomunhão de quem quer que o tentasse fazer. Claro que pequenas alterações, nomeadamente  no calendário dos Santos, estavam previstas; mas, para São Pio X, seria impensável que se tentasse fazer um Missal (Romano) de novo.
PIO BISPO
Servo dos Servos de Deus
Para perpétua memória

1 - Desde que fomos elevados ao ápice da Hierarquia Apostólica, de bom grado aplicamos o nosso zelo e as nossas forças e dirigimos todos os nossos pensamentos no sentido de conservar na sua pureza tudo o que diz respeito ao culto da Igreja; o que nos esforçamos por preparar e, com a ajuda de Deus, realizar com todo o cuidado possível.

2 - Ora, entre outros decretos do Santo Concílio de Trento cabia-nos estabelecer a edição e correcção dos santos livros: Catecismo, Missal e Breviário.

3 - Com a graça de Deus, já foi publicado o Catecismo, destinado à instrução do povo, e corrigido o Breviário, para que se tributem a Deus os devidos louvores. Outrossim, para que ao Breviário correspondesse o Missal, como é justo e conveniente (já que é soberanamente oportuno que, na Igreja de Deus, haja uma só maneira de salmodiar e um só rito para celebrar a Missa), parecia-nos necessário providenciar, o mais cedo possível, o restante desta tarefa, ou seja, a edição do Missal.

4 - Para tanto, julgamos dever confiar este trabalho a uma comissão de homens eruditos. Estes começaram por cotejar cuidadosamente todos os textos com os antigos de nossa Biblioteca Vaticana e com outros, quer corrigidos, quer sem alteração, que foram requisitados de toda parte. Depois, tendo consultado os escritos dos antigos e de autores aprovados, que nos deixaram documentos relativos à organização destes mesmos ritos, eles restituíram o Missal propriamente dito à norma e ao rito dos Santos Padres.

5 - Este Missal assim revisto e corrigido, Nós, após madura reflexão, mandamos que seja impresso e publicado em Roma, a fim de que todos possam tirar os frutos desta disposição e do trabalho empreendido, de tal sorte que os padres saibam de que preces devem servir-se e quais os ritos, quais as cerimónias, que devem observar doravante na celebração das Missas.

6 - E a fim de que todos, e em todos os lugares, adoptem e observem as tradições da Santa Igreja Romana, Mãe e Mestra de todas as Igrejas, decretamos e ordenamos que a Missa, no futuro e para sempre, não seja cantada nem rezada de modo diferente do que esta, conforme o Missal publicado por Nós, em todas as Igrejas: nas Igrejas Patriarcais, Catedrais, Colegiais, Paroquiais, quer seculares quer regulares, de qualquer Ordem ou Mosteiro que seja, de homens ou de mulheres, inclusive os das Ordens Militares, igualmente nas Igrejas ou Capelas sem encargo de almas nas quais a Missa conventual deve, segundo o direito ou por costume, ser celebrada em voz alta com coro, ou em voz baixa, segundo o rito da Igreja Romana, ainda quando estas mesmas Igrejas, de qualquer modo isentas, estejam munidas de um indulto da Sé Apostólica, de costume, de um privilégio, até de um juramento, de uma confirmação apostólica ou de quaisquer outras espécies de faculdades. 

A não ser que, ou por uma instituição aprovada desde a origem pela Sé Apostólica, ou então em virtude de um costume, a celebração destas Missas nessas mesmas Igrejas tenha um uso ininterrupto superior a 200 anos. A estas Igrejas Nós, de maneira nenhuma, suprimimos nem a referida instituição, nem seu costume de celebrar a Missa; mas, se este Missal que acabamos de editar lhes agrada mais, com o consentimento do Bispo ou do Prelado, junto com o de todo Capítulo, concedemos-lhes a permissão, não obstante quaisquer disposições em contrário, de poder celebrar a Missa segundo este Missal.

7 - Quanto a todas as outras sobreditas Igrejas, através da Nossa presente Constituição, que será válida para sempre, Nós decretamos e ordenamos, sob pena da nossa indignação, que o uso dos seus missais próprios seja supresso e sejam eles radical e totalmente rejeitados; e, quanto ao Nosso presente Missal recentemente publicado, nada jamais lhe deverá ser acrescentado, nem supresso, nem modificado

Ordenamos a todos e a cada um dos Patriarcas, Administradores das referidas Igrejas, bem como a todas as outras pessoas revestidas de alguma dignidade eclesiástica, mesmo Cardeais da Santa Igreja Romana, ou dotados de qualquer outro grau ou preeminência, e em nome da santa obediência, rigorosamente prescrevemos que todas as outras práticas, todos os outros ritos, sem excepção, de outros missais, por mais antigos que sejam, observados por costume até o presente, sejam por eles absolutamente abandonados para o futuro e totalmente rejeitados; cantem ou rezem a Missa segundo o rito, o modo e a norma por Nós indicados no presente Missal, e na celebração da Missa, não tenha a audácia de acrescentar outras cerimónias nem de recitar outras orações senão as que estão contidas neste Missal.

8 - Além disso, em virtude da Nossa Autoridade Apostólica, pelo teor da presente Bula, concedemos e damos o indulto seguinte: que, doravante, para cantar ou rezar a Missa em qualquer Igreja, se possa, sem restrição seguir este Missal com permissão e poder de usá-lo livre e licitamente, sem nenhum escrúpulo de consciência e sem que se possa incorrer em nenhuma pena, sentença e censura, e isto para sempre.

9 - Da mesma forma decretamos e declaramos que os Prelados, Administradores, Cônegos, Capelães e todos os outros Padres seculares, designados com qualquer denominação, ou Regulares, de qualquer Ordem, não sejam obrigados a celebrar a Missa de outro modo que o por Nós ordenado; nem sejam coagidos e forçados, por quem quer que seja, a modificar o presente Missal, e a presente Bula não poderá jamais, em tempo algum, ser revogada nem modificada, mas permanecerá sempre firme e válida, em toda a sua força.

10 - Não obstante todas as decisões e costumes contrários anteriores, de qualquer espécie: Constituições e Ordenações Apostólicas, ou Constituições e Ordenações, tanto gerais como especiais, publicadas em Concílios Provinciais e Sinodais; não obstante também o uso das Igrejas acima enumeradas, ainda que autorizado por uma prescrição bastante longa e imemorial, mas que não remonte a mais de 200 anos.

11 - Queremos e, pela mesma autoridade, decretamos que, depois da publicação da Nossa presente Constituição e deste Missal, todos os padres sejam obrigados a cantar ou celebrar a Missa de acordo com ele: os que estão na Cúria Romana, após um mês; os que habitam aquém dos Alpes, dentro de três meses; e os que habitam além das montanhas, após seis meses ou assim que encontrem este Missal à venda.

12 - E para que em todos os lugares da Terra este Missal seja conservado sem corrupção e isento de incorrecções e erros, por nossa Autoridade Apostólica e em virtude das presentes, proibimos a todos os impressores domiciliados nos lugares submetidos, directa ou indirectamente, à Nossa autoridade e à Santa Igreja Romana, sob pena de confiscação dos livros e de uma multa de 200 ducados de ouro, pagáveis à Câmara Apostólica, bem como aos outros domiciliados em qualquer outro lugar do mundo, sob pena de excomunhão ipso facto e de outras penas a Nosso alvitre, se arroguem, por temerária audácia, o direito de imprimir, oferecer ou aceitar esta Missa, de qualquer maneira, sem nossa permissão, ou sem uma licença especial de um Comissário Apostólico por Nós estabelecido, para estes casos, nos países interessados, e sem que antes, este Comissário ateste plenamente que confrontou com o Missal impresso em Roma, segundo a impressão típica, um exemplar do Missal destinado ao mesmo impressor, que lhe sirva de modelo para imprimir os outros, e que este concorda com aquele e dele não difere absolutamente em nada.

13 - E como seria difícil transmitir a presente Bula a todos os lugares do mundo cristão e levá-la imediatamente ao conhecimento de todos, ordenamos que, segundo o costume, ela seja publicada e afixada às portas da Basílica do Príncipe dos Apóstolos e da Chancelaria Apostólica, bem como no Campo de Flora. Ordenamos igualmente que aos exemplares mesmo impressos desta Bula, subscritos pela mão de um tabelião público e munidos, outrossim, do Selo de uma pessoa constituída em dignidade eclesiástica, seja dada, no mundo inteiro, a mesma fé inquebrantável que se daria à presente, caso mostrada ou exibida.

14 - Assim, portanto, que a ninguém absolutamente seja permitido infringir ou, por temerária audácia, opor-se à presente disposição de nossa permissão, estatuto, ordenação, mandato, preceito, concessão, indulto, declaração, vontade, decreto e proibição.

Se alguém, contudo, tiver a audácia de atentar contra estas disposições, saiba que incorrerá na indignação de Deus Todo-poderoso e dos seus bem-aventurados Apóstolos Pedro e Paulo.

Dado em Roma perto de São Pedro, no ano da Encarnação do Senhor mil quinhentos e setenta, no dia 14 de Julho, quinto de Nosso Pontificado – Pio Papa V.


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segunda-feira, 14 de julho de 2025

O abaixamento de Cristo - São Boaventura

Aprendei a humilhar-vos de verdade, e não apenas na aparência, como aqueles que se humilham de maneira fraudulenta, os hipócritas de que fala o Eclesiástico: «Abaixa-se em humildade fingida aquele cujo coração está cheio de fraude» (Ecli 19,23, Vulgata). «Pelo contrário, aquele que é verdadeiramente humilde», diz o bem-aventurado Bernardo, «não procura ver proclamada a sua humildade, mas passar por desprezível.» 

Nem a virgindade é agradável a Deus sem humildade, crede no que vos digo. A Virgem Maria não teria sido a Mãe de Deus houvesse nela alguma ponta de orgulho. Grande virtude é esta, pois, sem a qual todas as outras virtudes, longe de poderem existir, rebentam de orgulho.
 
Cristo foi humilhado a ponto de, no seu tempo, nada ter sido considerado mais vil que Ele. Tão grande foi a sua humildade, tão profundo o seu abaixamento, que ninguém era capaz de julgar dele segundo a verdade, ninguém podia acreditar que fosse Deus. Ora, Nosso Senhor e Mestre disse de Si mesmo: «O servo não é mais que o seu senhor» (cf Mt 10,24); portanto, se sois serva do Senhor, discípula de Cristo, deveis ser aviltada, desconsiderada, humilde.

in Sobre a vida perfeita, II, § 1, 3, 4


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domingo, 13 de julho de 2025

Inferno, oração e conversão: a mensagem politicamente incorreta, mas evangélica, de Fátima

As Aparições têm semelhanças entre si. Há sempre, no centro de cada uma, um apelo à oração e à penitência, mas, ao mesmo tempo, cada qual é diferente da outra pelo destaque que é dado a um aspecto particular da fé.
 
A aura em torno de Lourdes é calma. Foi notado, inclusive, que em nenhuma outra ocasião Maria sorriu tanto, chegando mesmo a rir muito em três ocasiões. Bernadette disse: “Ria como uma criança.” Não sabia, aquela pequena santa, que precisamente por isso, os seus austeros inquisidores suspeitariam ainda mais das aparições: “Nossa Senhora a rir?! Por favor, um pouco mais de respeito com a Rainha do Céu!” Mas, no final, tiveram que admitir: foi assim mesmo que aconteceu.
 
Claro, não nos esqueçamos, foi naquela gruta que Ela disse que era a Imaculada Conceição, e assumiu uma aparência séria, repetindo os apelos à penitência e à oração, para eles mesmos e para os pecadores. Mas há um ar de serenidade, sem ameaças de punição, que é talvez um dos aspectos que atraem multidões aos Pirineus.
 
Misericórdia e justiça
 
A atmosfera de Fátima, ao contrário, parece especialmente escatológica, apocalíptica. Embora tenha um final que conforta e acalma. É evidente que o principal motivo da aparição portuguesa é chamar a atenção dos homens para a enorme seriedade da vida terrena, que nada mais é que uma breve preparação para a verdadeira vida, uma eternidade que pode ser de alegria, mas também de tragédia. É um chamado à misericórdia e, ao mesmo tempo, à justiça de Deus.
 
A insistência unilateral, dos nossos dias, apenas na misericórdia, faz nos esquecer do et-et que caracteriza o catolicismo, e que se vê no Deus que é Pai amoroso e nos espera de braços abertos, mas, também, no Juiz que sopesará, na sua infalível balança, o bem e o mal que tenhamos feito. Sim, aguarda-nos um paraíso, mas que precisamos alcançar, dispendendo da melhor maneira os pequenos ou grandes talentos que nos foram confiados.

Nossa Senhora de Fátima

O Deus católico não é certamente o sádico do calvinismo que, por sua vontade insondável, divide a humanidade em duas: aqueles que nascem predestinados ao céu, e aqueles que são esperados à eternidade no inferno. É assim, afirma Calvino, que Ele manifesta a glória do seu poder. Não, o Deus católico não tem nada a ver com semelhantes deformações. Mas também não é, de forma alguma, o bonacheirão permissivista, o tio tolerante que tudo aceita e que a todos igualmente acolhe, o Deus de que se fala sobretudo na frouxidão dos teólogos jesuítas (que foram condenados pela Igreja) e contra quem Blaise Pascal lançou as suas indignadas Cartas Provinciais.
 
Ainda que soe desagradável aos ouvidos de certo “bonismo” actual, tão traiçoeiro para a vida espiritual, Cristo propõe à nossa liberdade uma escolha definitiva para toda a eternidade: salvação ou condenação. Portanto, podemos esperar até mesmo o inferno, que havíamos removido de nossas mentes, mas ao preço de remover também as claras e repetidas advertências do Evangelho.
 
É nele que está inserido o emocionante convite de Jesus: “Vinde a mim vós todos que estais cansados ​​e sobrecarregados, e eu vos aliviarei.” Além de muitas outras palavras e mostras de sua ternura. No entanto, goste-se ou não, nos Evangelhos, há também outro lado. Há um Deus que é infinitamente bom, mas, na mesma medida, infinitamente justo. Por isso, aos Seus olhos, uma pessoa vil e impenitente não é equivalente a um crente, que se esforçou para levar a sério o Evangelho, mesmo com as limitações e fraquezas de qualquer ser humano.
 
O inferno não é uma invenção
 
Naquele texto fundamental do ensinamento da Igreja, o Catecismo, os autores alertam: “As afirmações da Sagrada Escritura e os ensinamentos da Igreja sobre o inferno são um apelo à responsabilidade, com a qual o homem deve usar a própria liberdade, tendo em conta o seu destino eterno. Constitui-se, ao mesmo tempo, um apelo urgente à conversão”. São justamente esses apelos à responsabilidade e à conversão, que são o foco da mensagem de Fátima, tornando-a ainda mais urgente e atual, certamente mais do que quando Maria apareceu na Cova da Iria.
 
Há décadas que estão desaparecendo da pregação católica os Novíssimos, como são chamados pela teologia, a morte, o juízo, o inferno e o paraíso. Uma reticência clerical que retirou, mais do que isso, renegou o velho e benfazejo ditado que salvou tantas gerações de crentes: o princípio da sabedoria é o temor de Deus.
 
Na história dos santos, essa consciência de uma possível queda eterna, serviu de estímulo constante para a prática intensa das virtudes. Sabiam que a existência do inferno não é um sinal de crueldade divina, mas do seu respeito radical: o respeito do Criador para com a liberdade dada às suas criaturas, a ponto de lhes permitir escolher a separação definitiva.
 
Tanto na teologia quanto na pastoral de hoje, o necessário anúncio da misericórdia não está unido ao também importante anúncio da justiça. Mas se em Deus convivem, em dimensões infinitas, todas as virtudes, poderia estar faltando Nele a virtude da justiça, que a Igreja — inspirada pelo Espírito Santo, e também seguindo o senso comum — coloca entre as virtudes cardeais? (Nota do tradutor - as quatro virtudes cardeais são: prudência, temperança, fortaleza e justiça).
 
Não faltam teólogos respeitados e conhecidos, que gostariam de amputar uma parte essencial da Escritura, removendo aquilo que aborrece os que creem num Deus apenas bondoso e generoso. Dizem eles: “O inferno não existe. Mas, se existe, está vazio”.
 
Pena que essa não é a opinião da Virgem Maria… É verdade que a Igreja sempre afirmou a salvação certa de alguns de seus filhos, proclamando-os beatos e santos. E a própria Igreja nunca quis proclamar a condenação de quem quer que fosse, deixando nas mãos de Deus o juízo final. No entanto, aqueles que dizem que o inferno, se existir, estaria vazio, mereceriam a réplica: “Vazio? Mas isso não exclui a terrível possibilidade de que sejamos eu ou você a o inaugurar”.
 
Alguém sugeriu que a condenação fosse apenas temporária, não eterna, mas isso se choca com as palavras claras de Cristo, que fala várias vezes de um castigo sem fim. Por isso, nos vários Concílios, não foi difícil rejeitar semelhante possibilidade, uma vez que não há qualquer base nas Escrituras.

“Rezem, rezem muito”
 
Em 1941, na famosa carta ao seu bispo, Irmã Lúcia narrou assim a aparição de 13 de julho de 1917, a mais importante:

“O segredo confiado pela Virgem consiste em três partes distintas, duas das quais estou prestes a revelar. A primeira parte é a visão do inferno. Nossa Senhora mostrou-nos um grande mar de fogo que parecia estar debaixo da terra. Mergulhados nesse fogo, os demônios e as almas, como se fossem brasas transparentes, negras e cor de bronze, com forma humana, flutuavam nesse fogaréu, e eram levadas pelas chamas que delas mesmas saíam junto com nuvens de fumaça, e caíam de todos os lados, como faíscas de um enorme incêndio, sem peso nem equilíbrio, entre gritos e gemidos de dor e desespero, que nos causou horror e nos fez tremer de medo…”.
 
Jacinta, que morreu três anos depois, ainda uma criança de 10 anos e chocada com o que viu naqueles poucos momentos, vai dizer em seu leito de morte: “Se eu pudesse mostrar o inferno aos pecadores…, faria qualquer coisa para que o evitassem, mudando de vida”. Visões semelhantes do inferno não são fatos isolados na história da Igreja. Essa realidade terrível foi experienciada por muitos santos e santas. E a sua credibilidade, tanto psicológica quanto mental, foi avaliada com rigor nos processos canônicos. Para limitar-nos às mais famosas e veneradas santas: Santa Teresa de Ávila, Santa Veronica Giuliani e Santa Faustina Kowalska, além de outras. E, entre os santos, não podemos nos esquecer de São Pio de Pietrelcina, o estigmatizado, que viveu o sobrenatural como se fosse a condição mais natural, a ponto de se admirar que os outros não viam o que ele via.

Em Fátima, o papel central da mensagem é a reiteração do perigo de se perder, além do fato de que Nossa Senhora ensina aos videntes uma oração que deveria ser repetida no rosário depois de cada dez Ave-Marias. Oração que teve uma extraordinária acolhida no mundo católico, tanto que é recitada em qualquer lugar em que se reze o terço, e diz: “Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, levai as almas todas para e céu, e socorrei principalmente as que mais precisarem da vossa misericórdia.” Palavras, como se vê, todas centradas nos Novíssimos, e ditadas para as crianças pela própria Virgem Maria.
 
O que um cristão deve implorar, de modo especial, é a salvação contra o “fogo do inferno”, além de pedir à misericórdia divina uma espécie de redução de pena para aqueles que sofrem no purgatório. Disse a Mãe de Deus, “com o semblante muito doloroso”, como descreveu Irmã Lúcia: “Rezai, rezai muito, e fazei sacrifícios pelos pecadores. Na verdade, muitas almas vão para o inferno porque não há quem reze e faça sacrifícios por elas”.

Sob o manto

Mas voltemo-nos para as últimas linhas do testemunho de Lúcia, após a visão do terrível destino dos pecadores impenitentes: “Elevamos nossos olhos à Nossa Senhora, que nos disse com bondade e tristeza: ‘Vocês viram o inferno, onde caem as almas dos pobres pecadores. Para as salvar, Deus quer instituir no mundo a devoção ao meu Imaculado Coração. Se fizerem o que eu digo, muitas almas serão salvas”.

A verdade obriga-nos a recordar que correm sério risco os homens insensíveis à seriedade do Evangelho. Mas a misericórdia do Céu está pronta para propor um remédio: refugiar-se debaixo do manto de Maria, confiando no seu Coração Imaculado, aberto a quem pede a sua materna intercessão.  O crescente peso do pecado é grave mas são-nos mostrados os remédios e, acima de tudo, a aparição tem um final feliz, com as palavras famosas e que são justificadamente uma fonte de esperança para os crentes. Na verdade, depois de profetizar as muitas tribulações do futuro, Maria anuncia, em nome do Filho: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará”. 

Portanto, a salvação pessoal é possível — e é bancada pelo próprio Céu — mesmo com o aumento da iniquidade. Que possamos esperar a conversão do mundo, em um futuro impreciso e conhecido apenas por Deus, confiando no coração da Mãe de Cristo, poderosa advogada da causa da humanidade.
Para que servem as aparições? 

Fátima é a melhor resposta, para um mundo que cada vez mais se esquecia, e hoje se esquece mais ainda, do verdadeiro significado da vida na Terra e sua continuação na eternidade. Fátima é uma mensagem “dura” e, na linguagem de hoje, diríamos “politicamente incorreta”, por isso mesmo evangélica, na sua revelação da verdade e em sua rejeição à hipocrisia, aos eufemismos e às reduções. 

Mas, como sempre naquilo que é verdadeiramente católico, onde todos os opostos coexistem numa síntese vital, a ‘dureza’ vive com a ternura, a justiça com a misericórdia, a ameaça com a esperança. Assim, o aviso que chegou até nós a partir de Portugal, é, ao mesmo tempo, inquietante e reconfortante.

Vittorio Messori in La Nuova Bussola Quotidiana


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